21 de ago. de 2011

"O Que É Psicologia"


Me graduei em Psicologia pela UFSC em 2004.1. Quando na 1a fase, lá pelo meio do ano 1999, um professor pediu que lêssemos um livro "muito bom para calouros", chamado "O Que É Psicologia", da editora Brasiliense.


Lembro que eu, entusiasmado calouro de então, cheio de vontade de descobrir "os mistérios da mente", li cada página com afinco, durante uma noite, e reli (O livro é fininho: são menos de 70 páginas, e é um livro de bolso).


Até para rir um pouco, resolvi pegar o livro novamente, 11 anos depois, para ver se sentia alguma diferença.

Eis minha conclusão: esse livro não deveria ser indicado para calouros de Psicologia. Na verdade, não deveria ser indicado para ninguém, pois é uma coleção de equívocos unida pela má-fé do autor.


A primeira edição é de 1989 (Li a 18a reimpressão, de 2009). Já se passaram 21 anos, e "O Que É Psicologia", de Maria Luíza Teles, continua fazendo sucesso entre professores de Psicologia, que continuam indicando-o para seus alunos. Que erro!


Vamos lá... Por que esse livro é tão ruim?


O começo é até bom. Um razoável panorama histórico da Psicologia como filosofia antiga, e depois, sobre a Modernidade, como disciplina proto-cientifica.


O problema começa na página 15: "Acreditar que a Psicologia (...) seja uma ciência experimental é empobrecê-la, pois o Homem é um ser especial da Natureza". (Aqui a autor, de forma parcial, acaba de desacreditar pesquisas experimentais, de laboratório. Também defendeu uma idéia de origem teológica: a de o Homem é distinto da Criação, pois Deus lhe deu a capacidade mágica de falar).


Notem que na página 13 ela disse: "Não é possível aqui, num texto introdutório, tratar do conteúdo das escolas psicológicas". Porém, se contradizendo, na página 15 ela retoma sua crítica a experimentação nesses termos: "O Behaviorismo entende o homem, seu psiquismo e mente, como uma caixa preta". (Engana-se, minha cara. Isso pode ser verdade para Watson, mas não para os behavioristas contemporâneos). "Os behavioristas resumem tudo em Estímulos e Respostas" (Outro erro. Há muito mais que isso). "Para eles cada estímulo determina uma resposta específica" (Erro grave! A multideterminação, bem como princípios da generalização, explicam como um estímulo pode gerar diversas respostas distintas).


A seguir, nova contradição. A autora diz, ainda na mal fadada página 15: "Concluindo: a Psicologia é o estudo do comportamento" e, na página 17: "Deve buscar três objetivos: a descrição, a predição e o controle do comportamento".


Cara, essa mulher é confusa!


Primeiro ela demonstra imensa falta de conhecimento sobre Behaviorismo Radical, para em seguida dizer algo que apenas um Behaviorista Radical diria!


Sem problemas... Porque o livro, na verdade, piora.


O capítulo seguinte é chamado: "O Homem: Um Ser Especial". Nele é exposto como somos dotados de instintos naturais, mas, vejam só uma frase, da página 22: "Não tem muita importância se usamos a palavra instinto ou impulso". (Minha senhora, agora você mostrou imensa ignorância de Psicanálise, também!).


O livro fica ainda mais confuso, quando no capítulo seguinte, "O Mecanismo do Comportamento", ela defende que os conflitos são o motor propulsor da motivação, que gera um combustível chamado "ansiedade". Nos comportamos, diz, ela, porque queremos reduzir a "carga ruim da ansiedade". (Essa é uma visão classicamente psicanalítica). Mais a frente, no mesmo capítulo, ela explica que existe diversos conflitos, e diz que Freud "descobriu" os mecanismos de como lidar com eles, chamados "mecanismos de defesa".


Pera ae! Primeiro ela critica o método experimental, depois diz que não vai falar do conteúdo de cada escola, depois fala abobrinhas do Behaviorismo, para em seguida, se contradizendo triplamente, falar de psicanálise dos mecanismos de defesa?


Afff! Percebem como ela é tendenciosa?


É assim que os calouros de Psicologia são envenenados, desde muito cedo, contra o Behaviorismo: autores e professores que ensinam errado, ou mesmo de má-fé, só porque são de outra abordagem, ou pior: porque eles mesmos nunca estudaram as teorias que xingam!


Mas, continuemos...


O capítulo seguinte, "Panorama Atual da Psicologia: As Quatro Forças", é a pior parte do livro.


A autora diz que a Psicologia é dividida em um sistema fechado e um aberto (de onde ela tirou isso? Não sei. Em nenhum momento ela cita fontes). O fechado, do qual ela fala em apenas 2 linhas, é marcado pela experimentação (Que ela já disse que deixa a Psicologia pobre), e tem o Behaviorismo como centro. O sistema aberto é marcado pela liberdade do pensamento, e tem as escolas humanistas como centro. As tais 4 forças da Psicologia seriam:


1 - Behaviorismo (o sistema fechado, pobre, feio, e tal...)


2 - Humanistas (o sistema aberto, filosófico, reflexivo)


3 - Psicanálise (no meio do caminho entre um e outro... "Como assim?" Ela não explica, não adianta...)


4 - e, indo além de toda classificação, a Psicologia Transpessoal (marcada pela parapsicologia, a magia e o sobrenatural... Ok, ok, ok. Alguém do Conselho Federal de Psicologia leu essa parte?)


Para coroar a ignorância da autora, ela chama o Behaviorismo de "Escola E-R", isto é, escola do Estímulo-Resposta. Chega a sugerir que a teoria de Skinner é fundamentada na fórmula E -> R.


Francamente, essa mulher nunca estudou nada de SKinner: o grande diferencial dele foi exatamente superar o modelo pavloviano de E->R.


O próximo capítulo se chamada "O Papel do Psicólogo". Vale lembrar que o livro é de 1989. As informações sobre campos profissionais de Psicologia nele estão tão defasadas que por apenas esse motivo esse capítulo poderia ser pulado sumariamente. P.e., ela chega a falar de "Psicólogos industriais" (termo pré-histórico) mas não fala de psicólogos organizacionais e nem psicólogos do Trabalho.


O último capítulo do livro, "Questionando a Psicologia", quem diria, é o melhor. Até porque é o mais curto, também.


Nessas 2 páginas (ufa!) a autora sugere que a Psicologia é falha, lenta e ineficaz. Comenta como quando a Física tinha 200 anos já era 'bem resolvida' e hoje a Psicologia, 200 anos depois de sua fundação moderna, ainda é confusa e não dá conta de resolver as questões que se propõem a resolver.


Hmmmm..


Será que isso ocorre por que nossos calouros em Psicologia começam a estudá-la a partir de livros incrivelmente imbecis como esse?

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