21 de ago. de 2011

Invisibilidade pública

O leitor Darko Hunter fez uma sugestão de post. Mostrou para mim, por e-mail, um estudo científico feito sobre a rotina de uma moradora de rua.

Resumidamente, ela alterna estados onde xinga e agride estranhos na rua com outros onde é calma e pede comida ou dinheiro. Mas o mais interessante mesmo é a questão de que ela fala sozinha.


Eis duas perguntas que Darko fez, respondidas:


1) Quando ela pede alimento com calma e gentilezas e em outras situações grita e insulta, é um processo de discriminação?


Sem dúvidas, diria que sim. Quando está sozinha, ela agride as pessoas, xingando, gritando, fazendo ameças, tudo de forma gratuita. Nesse estado a moradora de rua em questão assemelha-se a clássica "louca furiosa", do tipo que alguns gostariam de trancafiar em um hospício.
Contudo, quando precisa de comida ou dinheiro, mostra habilidades sociais para persuadir, conversa, demonstra gentileza.

As contingências da rua condicionaram isso. Por um lado é um bom negócio parecer malvada e agressiva (espantando assim possíveis agressores), e por outro lado uma pessoa simpática tem mais chances de obter favores de estranhos.


A moradora de rua teve esses 2 operantes reforçados, e consegue discriminar as circunstâncias adequadas de uso de cada um.




2) No momento em que ela emite comportamento verbal ( como se houvesse alguém dialogando com ela. isto seria alucinação, como relatar isto na visão comportamental ?

Essa questão, Darko, me lembrou um trabalho acadêmico fascinante que li há alguns meses. Trata-se de uma pesquisa de campo, parte de um mestrado em Psicologia na USP. O tema: invisibilidade pública.


O pesquisador, Fernando Braga da Costa, se disfarçou de gari para checar o que aconteceria caso se passasse por um. O que descobriu foi impressionante: ele se tornou invisível aos olhos de todos. As pessoas não olhavam na direção dele, e quando olhavam, fingiam não o ver. Fernando relata que, em certo ponto, sentiu uma incrível solidão, mesmo no meio de uma rua lotada de São Paulo. Esse estado gerou sentimentos conflitantes, dentre eles o medo de se despersonalizar: deixar de ser uma pessoa de verdade.


Agora, imagine ser socialmente invisível por anos!


A solidão crônica é um fator de risco para o surgimento de comportamentos psicóticos, como alucinações. Pessoas que ficaram muito tempo isoladas em montanhas, quartéis ou desertos relatam que criavam amigos imaginários para passar o tempo, ou mesmo viam coisas que não existiam. A princípio, a privação social prolongada ativa o ver-encoberto (imaginação) de uma forma que estímulos que não estão lá são vistos como se estivessem. Isto é, a pessoa passa a confundir eventos privados com públicos ("Não sei se alguém me disse isso, ou eu apenas pensei").


A moradora de rua em questão pode até ser diagnosticada como esquizofrênica e tratada como tal. Mas e se o verdadeiro problema dela for abandono social?




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